A Volta da Estagflação
Os anos setenta foram marcados por um fenômeno desconhecido, até então, pelos economistas: uma mistura de inflação e recessão ou baixo crescimento econômico, que foi denominado de estagflação (estagnação + inflação). O normal é que se observe a chamada inflação de demanda, que combina aumento das despesas, e, portanto, da atividade, gerado pela elevação do gasto público e/ou da quantidade de dinheiro, com a consequente elevação dos preços.
Essa estagflação teve como causa principal a disparada da cotação do petróleo no mercado internacional, que fez crescer os custos de produção dos países importadores de petróleo, tais como o nosso, gerando importante redução da produção total, o que levou, paralelamente, à queda da atividade e à alta generalizada dos preços.
Frente a essa situação, a autoridade econômica enfrenta um grande dilema. Ou minimiza a contração do produto interno bruto (PIB), mediante estímulos fiscais ou monetários, o que, ao elevar as despesas totais, intensifica a alta de preços. Caso contrário, se o objetivo for evitar uma forte aceleração da inflação, deverá aplicar políticas que desencorajem os gastos de famílias e empresas, o que aprofundará a recessão.
Na conjuntura atual, a economia brasileira enfrenta dois choques econômicos negativos simultâneos. Por um lado, as restrições ao funcionamento das atividades produtivas, principalmente no caso dos serviços, que constituem o principal segmento, a falta e o encarecimento de insumos, que provocam desorganização de cadeias produtivas, levam à forte redução da oferta total de bens e serviços, o que contribui para elevar os preços, configurando o quadro de estagflação.
Por outro lado, a queda da renda total das famílias, a intensa elevação do desemprego e as medidas de isolamento social geram queda relevante das despesas de famílias e de empresas, o que contribui para gerar retração da atividade, porém, também tem como efeito a descompressão da inflação.
A combinação desses dois choques intensifica a crise econômica, mas, os efeitos sobre os índices de preços dependem da força relativa de cada choque. Dados e indicadores econômicos preliminares sugerem que, provavelmente o PIB apresentará queda, pelo menos no primeiro trimestre, enquanto a inflação continua acelerando, o que sugere que, no final, prevalece a queda na oferta, configurando o quadro de estagflação.
Frente à aceleração da inflação, o Comitê de Política Monetária (COPOM), em sua última reunião, decidiu elevar a taxa de juros básica (SELIC) acima do esperado pelo mercado, indicando também a possibilidade de repetir a intensidade de elevação na próxima reunião.
Não se pode negar que a autoridade monetária tenha acertado ao elevar a SELIC, num contexto de expectativas de inflação desancoradas, o que, ao realimentar o processo de aumento de preços, põe em risco o cumprimento da meta anual, tanto para 2021, como também no caso de 2022. A resposta das autoridades econômicas brasileiras nos anos 70 foi a oposta, o que amorteceu o impacto recessivo do choque do petróleo, mas intensificou a elevação dos preços, desembocando na hiperinflação.
O que preocupa no momento, portanto, não é a alta dos juros básicos, mas, sim, sua intensidade, que se exagerada, poderá aprofundar a grave crise econômica que enfrentamos, pois o PIB, à diferença do passado, também sofre contração devido à redução das despesas totais.
Análise da Conjuntura
1. Síntese da Conjuntura Econômica
Atividade econômica mostra sinais de perda de impulso, em relação ao último trimestre do ano passado, refletindo os efeitos negativos do recrudescimento da pandemia, e do aumento das restrições de funcionamento das empresas, particularmente aquelas vinculadas ao setor serviços.
IPCA acelerou nos últimos três meses, ficando acima da meta anual estabelecida para o ano, e desencorando as expectativas de inflação, levando o Banco Central a elevar a SELIC de forma mais intensa do que o esperado.
Resultados fiscais mostraram piora em fevereiro, refletindo queda na arrecadação e isenções tributárias, concedidas para fazer frente aos impactos econômicos do coronavírus, elevando grau de endividamento a nível recorde.
Apesar do superávit comercial menor registrado em fevereiro, pandemia e isolamento social reduziram as saídas de moeda estrangeira, por conceito de serviços e rendas, em fevereiro, diminuindo o “rombo” externo, que continua sendo financiado com folga pela entrada de capitais financeiros de longo prazo.
2. Atividade Econômica e Emprego
No início do ano, desemprego se elevou em relação a 2020, alcançando recorde, com quedas da renda total (massa de rendimentos) e da ocupação.
Em fevereiro, indústria continuou apresentando perda de impulso, em termos anuais, explicada pela menor demanda doméstica e pela escassez e aumentos de preços de insumos.
Vendas do varejo também apresentaram “perda de fôlego” no início do ano, devido ao recrudescimento da pandemia, que gerou restrições ao funcionamento do comércio e queda na renda dos consumidores, agravada pela ausência do auxílio emergencial e pelos aumentos de preços dos alimentos.
Setor serviços seguiu apresentando contração anual, em janeiro, afetado mais do que os outros setores pelo isolamento social, além de sofrer impacto negativo da menor renda das famílias.
Seguindo as trajetórias do varejo, dos serviços e da indústria, Indicador de atividade do Banco Central (IBC-BR) apresentou contração, em termos anuais, no primeiro mês do ano, refletindo os efeitos da COVID-19 e do isolamento social.
3. Juros, Crédito e Inflação
IPCA continuou acelerando em março, devido aos aumentos dos preços dos combustíveis e aos repasses da forte inflação do atacado, se distanciando cada vez mais, em termos anuais, do limite superior da meta perseguida pelo Banco Central.
Em março, COPOM elevou a taxa básica (SELIC) acima das expectativas de mercado, para 2,75% ao ano. Na Ata sinalizou que poderia haver nova elevação da mesma magnitude em sua próxima reunião.
Crédito à pessoa física continuou desacelerando em janeiro, no comparativo anual, com diminuição da taxa de juros e recuo na inadimplência.
4. Finanças Públicas
Governo Consolidado (União, Estados, Municípios e empresas estatais) apresentou, em fevereiro, déficit fiscal primário (excesso de despesas não financeiras sobre receitas), após haver registrado saldo positivo (superávit) em janeiro.
Principais causas dessa deterioração foram a queda na arrecadação, decorrente dos efeitos negativos da pandemia sobre a atividade e as isenções tributárias concedidas pelo Governo Central (Tesouro Nacional + INSS + Banco Central) para minimizar o impacto do coronavírus.
Despesas financeiras aumentaram em relação a 2020, em decorrência do maior endividamento do Governo Federal.
Resultado nominal (resultado primário + despesas financeiras) observado em fevereiro foi menos negativo (déficit) do que o registrado no mesmo mês do ano passado.
Maior déficit nominal provocou elevação da necessidade de financiamento, elevando ainda mais o grau de endividamento do setor público, que chegou a nível recorde, mantendo trajetória insustentável.
5. Setor Externo
Em fevereiro, as importações voltaram a subir, em bases anuais, superando o crescimento das exportações, redundando numa diminuição do superávit comercial (excesso de exportações sobre importações de mercadorias).
Quedas da remessa de lucros e dividendos, viagens internacionais, transporte e aluguel de máquinas, causadas pelo recrudescimento da pandemia e pelas medidas de isolamento social, foram os principais responsáveis pela diminuição do déficit em conta corrente (excesso de importações sobre exportações de bens e serviços), em relação a fevereiro de 2020.
Entrada de capitais financeiros de longo prazo – Investimento Direto no País (IDP) surpreenderam positivamente no mesmo mês, aumentando significativamente ante fevereiro de 2020.
Contas externas seguiram mostrando solvência, com entradas de capitais de longo prazo mais do que suficientes para cobrir as necessidades de financiamento externo.
Por IEGV - Instituto de Economia Gastão Vidigal