O Coronavírus, a Economia Mundial e o Brasil
No Boletim de Conjuntura anterior o editorial tratou dos efeitos do coronavírus sobre a economia brasileira, a partir das primeiras notícias sobre essa nova epidemia. Desde então, além do total de casos reportados na China ter chegado a quase dois milhões de habitantes, e gerado uma grande quantidade de mortes, praticamente paralisando sua economia, a doença se alastrou para mais de 50 países, chegando, inclusive, no Brasil.
Como os efeitos sobre a atividade econômica mundial deverão ser bem maiores do que se esperava inicialmente, cabe realizar novas reflexões sobre os possíveis impactos sobre a economia mundial e a brasileira.
A inevitável desaceleração da economia chinesa implicará na diminuição dos preços das matérias primas importadas por ela, o que diminuirá o valor das exportações dos países que abastecem esse mercado, provocando queda em sua renda. Além desse choque negativo de demanda, a paralização da produção de componentes por parte da China provocará a interrupção de várias cadeias produtivas localizadas em várias nações, o que também configura um choque negativo, porém, pelo lado da oferta.
Desse modo, ainda que os efeitos sobre a inflação mundial sejam incertos, sem que se possa saber a priori se a queda da cotação das commodities no mercado internacional poderá mais do que compensar a pressão sobre os preços advinda de uma contração da oferta de um conjunto de produtos manufaturados, não há dúvida de que haverá forte desaceleração do crescimento econômico mundial. A contração do turismo mundial, em decorrência dessa epidemia, importante fonte de renda para muitos países, também contribuirá para esse panorama de arrefecimento do crescimento econômico mundial.
Para o Brasil, a menor demanda chinesa deverá reduzir as exportações, principalmente aquelas relativas a produtos básicos. Contudo, os embarques de produtos de maior valor agregado também se veriam negativamente afetados pela diminuição da atividade dos países desenvolvidos.
Ou seja, o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020, pelo lado do gasto, dependerá relativamente mais da atividade interna. Por sua vez, do ponto de vista da produção, a indústria e a agropecuária seriam fortemente prejudicadas, assim como o setor serviços, tanto em função da menor demanda por serviços de transporte, como pela retração do fluxo de turistas europeus, chineses e japoneses que visitam nosso País. Assim, o mercado continua revendo para baixo as expectativas de expansão do PIB para o presente ano, como mostra o último Relatório Focus do Banco Central.
Outro efeito do coronavírus é o aumento da incerteza nos mercados mundiais, o que aumenta a aversão ao risco dos investidores, que preferem colocar seus recursos em dólares, gerando valorização dessa moeda em relação às demais, o que no caso brasileiro se reflete no forte aumento de patamar da taxa de câmbio e na maior volatilidade dos resultados da Bolsa observados nas últimas semanas.
Na medida em que o elevado desemprego e a ociosidade observadas em nossa economia inibam o repasse da elevação da taxa de câmbio para os preços finais, com expectativas de inflação cada vez menores, será possível para a autoridade monetária seguir reduzindo a taxa juros de básica (SELIC), o que, conjuntamente com outras medidas de estímulo ao crédito, poderia dar algum estímulo adicional ao consumo das famílias, que deverá ser, em última instância quase que o único “motor” de nossa já frágil recuperação econômica.
Análise da Conjuntura
1. Síntese da Conjuntura Econômica
• Atividade econômica no final do ano passado apresentou desaceleração, apontando para crescimento próximo a 1,0%.
• Redução dos preços das commodities no mercado internacional, nova safra recorde da agricultura brasileira e ociosidade devem levar Inflação (IPCA) para patamar abaixo da meta perseguida pelo Banco Central.
• Resultados fiscais mostraram melhora significativa em 2019, embora a situação das contas públicas ainda seja grave, ameaçando sua solvência, em ausência de ajuste fiscal efetivo.
• Apesar do déficit comercial, contas externas seguem solventes, com entrada de capitais financeiros de longo prazo mais do que suficientes para financiar excesso de importações sobre exportações de bens e serviços.
2. Juros, Crédito e Inflação
• IPCA de janeiro mostrou intenso recuo,refletindo descompressão dos preços dos alimentos e combustíveis, iniciando 2020 levemente acima da meta perseguida pelo Banco Central.
• Crédito à pessoa física ganhou “tração” em janeiro, no comparativo anual.
• Redução da taxa de juros média do crédito concedido à pessoa física no contraste com janeiro do ano passado, com inadimplência levemente superior.
3. Atividade Econômica e Emprego
• Em 2019, a atividade industrial registrou recuo, após dois anos consecutivos de crescimento, devido à fraqueza das demandas interna e externa.
• Em janeiro, desemprego seguiu diminuindo gradativamente, em relação ao ano anterior, com recuperação da renda total (massa de rendimentos) e da ocupação.
• Vendas do varejo também decepcionaram, terminando 2019 com crescimento abaixo do registrado nos anos anteriores, refletindo a lenta recuperação da renda e do crédito e a posição de cautela dos consumidores.
• Setor serviços mostrou expansão durante o ano passado, por primeira vez nos últimos quatro anos, refletindo a retomada da renda e do emprego das famílias.
• Refletindo as trajetórias do varejo, dos serviços e da indústria, Indicador de atividade do Banco Central (IBC-BR) mostrou fraca expansão, aumentando a chance de crescimento do PIB em 2019 abaixo do registrado nos dois últimos anos.
4. Finanças Públicas
• Governo Consolidado (União, Estados, Municípios e empresas estatais) apresentou, em 2019, o menor déficit fiscal primário (excesso de despesas não financeiras sobre receitas) registrado nos últimos anos, bem abaixo da meta anual estabelecida.
• Principal causa dessa melhora foram as reduções dos saldos negativos do Governo Central (Tesouro Nacional + INSS + Banco Central) e dos estados e municípios, explicados pelo aumento da arrecadação, decorrente do crescimento econômico e de receitas extraordinárias.
• Despesas financeiras anuais diminuíram em relação a 2018, devido fundamentalmente à expressiva redução da taxa SELIC. Em relação ao PIB essas despesas foram as menores desde 2013.
• Somando-se essas despesas ao resultado primário, déficit total (déficit nominal – excesso de despesas totais em relação às receitas) observado em 2019 ficou bem abaixo do registrado no ano anterior. Também foi o menor resultado em relação ao PIB desde 2013.
• Redução expressiva do déficit nominal provocou redução da necessidade de financiamento, diminuindo o grau de endividamento do setor público, que, contudo, continua muito elevado para os padrões de um país emergente.
5. Setor Externo
• Em janeiro, houve déficit da balança comercial (excesso de importações sobre exportações de mercadorias), causada pela importação de duas plataformas de petróleo e pela que das exportações de matérias primas, já refletindo os efeitos do coronavírus.
• Déficit comercial foi o principal responsável pelo aumento do déficit em conta corrente (excesso de importações sobre exportações de bens e serviços), durante o mesmo mês.
• Entrada de capitais financeiros de longo prazo (Investimento Direto no País – IDP), no primeiro mês do ano, foi ligeiramente inferior à observada no ano anterior.
• Contas externas continuam solventes, com entradas de capitais de longo prazo mais do que suficientes para cobrir o déficit da conta corrente.
Por IEGV - Instituto de Economia Gastão Vidigal