Após atravessar a pior recessão de sua história, a economia brasileira continua mantendo a tendência de recuperação no começo do ano. Contudo, até o momento, essa recuperação tem sido mais lenta que em outros momentos, e menos espraiada do que se imaginava.
Enquanto o varejo e a produção industrial cresceram em janeiro, na comparação com o mesmo mês de 2017, houve recuo da atividade industrial e da receita real do setor serviços, que é o mais importante, do ponto de vista da produção total realizada no País. Em relação a dezembro, realizados os ajustes sazonais, a indústria e os serviços apresentaram recuos, enquanto as vendas do comércio cresceram.
A mesma leitura pode ser realizada a partir dos resultados de dois indicadores que funcionam como prévias do Produto Interno Bruto (PIB): o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), divulgado mensalmente pela autoridade monetária, e o Monitor do PIB (Produto Interno Bruto), também de frequência mensal, elaborado pela Fundação Getúlio Vargas. Em ambos casos, houve queda, no contraste com o último mês do ano passado, embora em todas as comparações com períodos similares de 2017 tenha havido crescimento.
Uma das principais causas do desempenho aquém do esperado da atividade é o comportamento do mercado de trabalho, marcado por uma taxa de desemprego ainda muito elevada, pela predominância da geração de vagas informais e pelo baixo nível de remuneração do emprego formal. Além disso, apesar de o crédito à pessoa física ter voltado a refluir, seu ritmo de expansão tem se mostrado modesto, com taxas de juros ainda muito elevadas e prazos de financiamento levemente maiores aos observados no começo do ano passado.
Outro sintoma da fraqueza da recuperação do PIB é a evolução da inflação, que, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), em termos anuais, permanece abaixo do limite inferior da margem de tolerância da meta anual. Em que pese o efeito benéfico da correção monetária, que tem por base a baixa inflação do ano passado, essa evolução reflete o elevado grau de ociosidade da produção.
Nesse sentido, o Banco Central acertou em reduzir a taxa de juros básica (SELIC), sinalizando, inclusive, a possibilidade de nova diminuição na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM). A continuidade do ciclo de distensão monetária contribuirá, ao longo dos próximos meses, para baratear o custo do crédito, tanto para produtores como para consumidores, aumentando a “tração” da recuperação da atividade econômica.
Contudo, não se pode esquecer que o comportamento benigno dos preços, e, portanto, a manutenção da SELIC em patamares baixos neste e no próximo ano, depende crucialmente do equacionamento das contas públicas, principalmente se o aumento dos juros americanos for mais intenso, gerando pressões inflacionárias decorrentes da elevação da taxa de câmbio.
Análise da Conjuntura
1. Moeda, Crédito e Inflação
Segundo o Banco Central, em fevereiro, o crédito à pessoa física continuou mostrando lenta recuperação, com alta, em 12 meses, de 6,2%, pouco acima da inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, registrada para o mesmo período (2,9%). A taxa de juros média anual aplicada à pessoa física, apesar de seguir muito elevada (33,3%), é menor do que a registrada em fevereiro de 2017 (41,4%).
Em fevereiro, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o IPCA novamente teve alta menor do que o previsto pelos analistas de mercado, que alcançou a 0,32%. Desse modo, a variação do índice acumulada em 12 meses apresentou um ligeiro recuo, passando de uma alta de 2,86%, registrada em janeiro, para 2,84%, ficando ainda mais abaixo do limite inferior da meta anual (3,0%). A prévia do IPCA de março (IPCA-15) mostrou desaceleração ainda maior, alcançando 0,10% na primeira quinzena, e 2,80% em 12 meses.
Como o cenário para a inflação está mais favorável do que o esperado, o Banco Central voltou a reduzir a taxa SELIC em 0,25%, levando-a ao patamar de 6,50% ao ano, sinalizando que poderia haver nova diminuição semelhante na próxima reunião do COPOM.
2. Atividade Econômica e Emprego
Segundo o IBGE, o PIB cresceu 1,0% em 2017, após duas quedas consecutivas de 3,5%. Pelo lado da produção, o resultado é quase todo explicado pelo aumento da produção agropecuária (13,0%), embora as expansões da extração mineral e do comércio também tenham contribuído de forma positiva (4,3% e 1,8%, respectivamente). Pelo lado da despesa, os investimentos produtivos e em infraestrutura caíram 1,8%, puxados pelo recuo da construção civil (-5,0%). Vale destacar que a retomada da atividade foi ganhando força ao longo do ano passado, impulsionada pelo aumento do consumo das famílias, em decorrência da queda da taxa de juros, da elevação do emprego e da renda, além da liberação do FGTS dos aposentados.
Também de acordo com o IBGE, em janeiro, a indústria registrou alta de 5,7%, ante o mesmo mês de 2017. Novamente se destacaram os bens duráveis, cuja produção cresceu 20,0%, principalmente devido ao aumento da fabricação de veículos (27,4%). Também chamam a atenção as altas dos segmentos de eletrônicos (32,0%) e de bens de capital (18,3%). O resultado acumulado em 12 meses continuou subindo, com alta de 2,8%, ante 2,5% registrado na leitura anterior.
Em igual mês, segundo o IBGE, continuou havendo aumento tanto do varejo restrito (que não inclui veículos e material de construção), como do ampliado (que inclui todos os segmentos), em relação a janeiro de 2017 (3,2% e 6,5%, respectivamente), configurando o décimo resultado positivo consecutivo. No acumulado em 12 meses, as vendas dos dois tipos de varejo seguem acelerando, com altas de 2,5% e 4,6%, respectivamente, superiores aos resultados anotados na leitura imediatamente anterior (2,0% e 4,0%, respectivamente).
O setor serviços, ainda de acordo com o IBGE, apresentou queda de 1,3%, em janeiro, em relação ao mesmo mês do ano passado, frustrando as expectativas dos analistas de mercado. Na mesma base de comparação, houve crescimento da receita real dos serviços de transporte, enquanto caíram os serviços prestados às famílias. Em 12 meses, o declínio perdeu intensidade, alcançando a 2,7%, frente à queda anotada na leitura anterior (-2,8%).
Dados da ACSP/BVS referentes às consultas efetuadas em fevereiro, registraram altas de 7,5% nas compras parceladas e de 4,0% nas realizadas à vista.
A confiança do consumidor, medida pelo Índice Nacional de Confiança (INC), calculado pelo IPSOS para a ACSP, seguiu estável em fevereiro, em relação ao mês anterior. O consumidor continua cauteloso, mas a insegurança no emprego diminuiu, alcançando a 57,0% do total de entrevistados.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), divulgada pelo IBGE, a taxa de desemprego, em janeiro, chegou a 12,2% da força de trabalho, ante 12,6% observada no mesmo mês de 2017. A massa de rendimentos, que representa a renda auferida no mercado de trabalho, cresceu 3,6%, em base anual (2,1% na ocupação e 1,6% nos salários).
Em fevereiro, a taxa de inadimplência da pessoa física, medida pelo Banco Central, se manteve em 3,7% da carteira, levemente abaixo dos 4,0% observados no mesmo período do ano passado.
Por sua parte, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-BR), que se aproxima à prévia do Produto Interno Bruto (PIB), inaugurou o ano apresentando queda de 0,56%, livre de efeitos sazonais. Ante janeiro de 2017, houve avanço de 2,97%, enquanto no acumulado de 12 meses a alta alcançou 1,2%.
Em síntese, a inflação continua a apresentar surpresas baixistas nos primeiros meses do ano, mantendo-se, em termos anualizados, bem abaixo da meta anual (4,5%) e até mesmo de seu limite de tolerância inferior (3,0%). A perspectiva é de que se mantenha a mesma tendência nas próximas divulgações.
Por sua vez, os indicadores de atividade econômica sugerem que o ritmo da recuperação ainda é pouco satisfatório e irregular. A continuidade da distensão monetária, conjuntamente com os aumentos do emprego e da renda deverão mudar esse quadro ao longo dos próximos meses.
3. Finanças Públicas
O primeiro mês do ano foi marcado por um recorde positivo nas contas públicas, de acordo com dados do Banco Central. O Setor Público Consolidado (União, Estados, Municípios e empresas estatais) anotou receitas maiores do que as despesas sem incluir o pagamento de juros (superávit primário) de R$ 46,9 bilhões, o melhor resultado para este mês desde 2001, quando teve início a série histórica.
Esse resultado positivo se deveu principalmente ao superávit primário obtido pelo Governo Central (Tesouro Nacional, INSS e Banco Central), que alcançou a R$ 36,5 bilhões, explicado pelo aumento de sua receita líquida de 11,6%, frente ao crescimento de suas despesas totais de apenas 1,6%, em termos nominais (sem corrigir pela inflação). A alta da arrecadação foi causada pela elevação da alíquota do PIS/COFINS sobre os combustíveis, pelos pagamentos recebidos por conta do novo programa de parcelamento de débitos tributários (REFIS) e pela retomada do crescimento econômico.
Apesar da menor expansão dos gastos refletir o “esforço fiscal” empreendido pela União, no contexto do cumprimento do “teto” do crescimento das despesas do Governo Federal, o déficit do INSS registrado em janeiro foi de R$ 14,4 bilhões, o maior valor para o mês desde 2001.
No acumulado em 12 meses, que reflete melhor a tendência do resultado primário, o excesso de despesas não financeiras sobre as receitas (déficit primário) do Governo Consolidado recuou de R$ 110,6 bilhões (1,7% do PIB) em dezembro de 2017 para R$ 100,4 bilhões (1,5% do PIB), ajudado pelo saldo positivo recorde de janeiro.
Com relação ao pagamento dos juros da dívida pública, houve diminuição no mesmo mês, em relação a dezembro, de R$ 33,3 bilhões para R$ 28,3 bilhões, respectivamente, em decorrência do ganho nas operações de swap cambial por parte do Banco Central. Essa diminuição, combinada com a menor taxa SELIC, ajudou a reduzir o fluxo de dispêndios financeiros em 12 meses, com os juros nominais chegando a R$ 392,7 bilhões (6,0% do PIB), frente a R$ 400,8 bilhões (6,1% do PIB), apontados na leitura anterior.
Somando-se essas despesas anteriores com o resultado primário do Governo Consolidado, obtém-se o resultado nominal, que foi positivo (superávit nominal) em R$ 18,6 bilhões no primeiro mês do ano, porém continuou negativo (déficit nominal) em 12 meses, alcançando a R$ 493,1 bilhões (7,5% do PIB), inferior ao registrado durante 2017 (R$ 511,4 bilhões ou 7,8% do PIB).
Apesar de menor, esse “rombo” fiscal, segue em patamar muito elevado para os padrões internacionais, obrigando o Governo a aumentar seu endividamento, que fechou janeiro em 74,5% do PIB, valor mais alto de toda a série histórica, e acima da proporção observada no final de 2017 (74,0% do PIB).
Os dados de janeiro mostram, sem dúvida, melhora do resultado fiscal, que deverá continuar ao longo dos próximos meses, em tanto se consolide a retomada do crescimento econômico. Por esse motivo, os analistas de mercado veem como muito provável o cumprimento da meta fiscal para o ano de 2018, que corresponde a um déficit primário de R$ 161,3 bilhões para o Governo Consolidado.
Contudo, o problema de fundo das finanças públicas brasileiras é, na verdade, de tipo estrutural, impondo-se ajustes muito mais profundos, notadamente a reforma da previdência. Se não houver diminuições importantes nas despesas obrigatórias nos próximos anos, estas continuarão a crescer, obrigando o Governo a realizar cortes dramáticos em serviços básicos, para que não haja descumprimento do limite máximo de crescimento dos gastos da União, de acordo com o “teto” estabelecido. Além disso, seu elevado grau de endividamento, além da restrição constitucional que veda a utilização desse instrumento para o financiamento do custeio da máquina pública, restringem cada vez mais sua capacidade de tomar crédito no mercado financeiro nacional e internacional.
4. Setor Externo
O setor externo continuou apresentando excelentes resultados para a economia brasileira nos primeiros meses de 2018. As transações correntes, item do balanço de pagamentos que representa todas as transações de mercadorias, serviços e rendas do Brasil com os demais países, teve seu déficit reduzido de US$ 5,1 bilhões, em janeiro de 2017, para US$ 4,3 bilhões no primeiro mês deste ano. No acumulado dos últimos doze meses, o déficit caiu de US 23,8 bilhões para US$ 9,0 bilhões no mesmo período, melhor resultado nos últimos dez anos.
Pela conta financeira, o destaque ficou para o ingresso líquido de investimentos diretos no País, que chegou a US$ 6,5 bilhões em janeiro e US$ 65,3 bilhões nos últimos doze meses, podendo chegar a US$ 80 bilhões até o final do ano, conforme previsão do Banco Central. Esse fluxo de capital demonstra que o investidor estrangeiro continua mantendo forte interesse no Brasil, estimulado pela retomada do crescimento econômico doméstico.
As empresas brasileiras, avançando o processo de internacionalização, estão aumentando seus investimentos no exterior. Em janeiro, efetuaram remessas no montante de US$ 2,5 bilhões, contra apenas US$ 138 milhões no mesmo período de 2017, incentivadas pelo crescimento das principais economias estrangeiras.
A conta do setor de “serviços”, cronicamente deficitária (US$ 2,8 bilhões), tem sido atenuada pelos sucessivos superávits alcançados pela balança comercial. Em janeiro o saldo positivo foi de US$ 2,4 bilhões e, em fevereiro, o superávit atingiu US$ 4,9 bilhões, o maior desde o início da série histórica, em 1989, como resultado de exportações no valor de US$ 17,3 bilhões e importações de US$ 12,4 bilhões. Em fevereiro, no entanto, as vendas externas foram infladas pela “exportação ficta” de uma plataforma de exploração de petróleo, no valor de US$ 1,5 bilhão, apenas contabilizado em dólares, para fins de incentivos fiscais, já que o equipamento não saiu do país.
No primeiro bimestre do ano, as exportações acumularam US$ 34,3 bilhões e as importações US$ 26,6 bilhões, acréscimos de 12,9% e 15,1%, respectivamente, em relação aos mesmos meses do ano passado, e, como decorrência, saldo de US$ 7,7 bilhões, um recorde para o período. Em valores, destacaram-se entre os principais produtos exportados petróleo em bruto (US$ 3,6 bilhões), minério de ferro (US$ 2,8 bilhões), complexo soja (US$ 2,6 bilhões), carnes de frango, bovina e suína (US$ 1,9 bilhão), celulose (US$ 1,4 bilhão), automóveis e veículos de carga (US$ 1,3 bilhão).
Se a exportação está sendo estimulada pelo aumento do comércio mundial, o crescimento das importações brasileiras está sendo puxado pelo aquecimento da demanda interna. Houve elevação das compras de todas as grandes categorias de produtos: combustíveis e lubrificantes (43,6%), bens de consumo (20,2%), bens intermediários (8,4%) e bens de capital (17,2%). Deve-se destacar o avanço das aquisições do exterior de bens de capital, que ocorre desde o segundo semestre do ano passado, ajudando a expandir os investimentos industriais, em decorrência da reativação da economia.
Quanto ao mercado de câmbio, prevalece a relativa estabilidade da taxa cambial, que tem flutuado dentro de um intervalo informal de R$ 3,10 e R$ 3,30 por dólar, desde janeiro de 2017. No final de fevereiro, valendo R$ 3,24, a moeda americana teve uma valorização de 2,5%, no mês, e de 4,5%, nos últimos doze meses, em relação ao Real.
Sintetizando, nos dois primeiros meses ano, a importações estão se expandindo num ritmo maior do que o das exportações, de forma diferente dos fluxos comerciais ocorridos no ano passado, quando as vendas externas cresceram percentualmente mais do que as compras do exterior. O avanço das importações pode ser explicado pela recente retomada da atividade, que passa a exigir maior aquisição de produtos, para atender a demanda interna crescente, tanto de bens de consumo como de investimentos.
Diante desse novo quadro, dificilmente o país voltará a exibir um saldo comercial recorde, de US$ 64 bilhões, como verificado em 2017. No entanto, como as vendas externas devem se manter aquecidas, a balança comercial continuará registrando saldos comerciais robustos, mantendo o equilíbrio das contas externas. Enquanto que o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MIDC) estima um superávit de US$ 50 bilhões, o Banco Central, mais otimista, espera um saldo positivo de US$ 59 bilhões para 2018.
Por IEGV - Instituto de Economia Gastão Vidigal