Tal como se esperava, a greve dos caminhoneiros, que paralisou o fluxo de transporte de insumos e mercadorias por todo o País nas duas últimas semanas de maio,
provocou fortes efeitos negativos sobre a atividade econômica neste mês.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o setor serviços, que representa cerca de 70% do Produto Interno Bruto (PIB), foi o mais afetado, com queda da receita real puxada pelo transporte terrestre, pivô do conflito. A produção industrial também foi severamente impactada pela greve, apresentando diminuição comparável à ocorrida em decorrência da crise financeira internacional de 2008, destacando-se a contração da fabricação de automóveis e alimentos.
Por sua vez, as vendas do comércio também sofreram retração, segundo dados da mesma fonte oficial, porém, atenuada pelo expressivo aumento do volume comercializado pelos supermercados, explicado pelas compras da população, refletindo comportamento de estocagem, motivado pelo “medo” do desabastecimento.
Em termos agregados, esses efeitos devem provocar, no mínimo, forte desaceleração da expansão da atividade econômica no segundo trimestre. O Índice de
Atividade Econômica do Banco Central (IBC-BR), considerado uma “prévia” do PIB, anotou queda recorde em maio, enquanto o estimador mensal de atividade econômica do Banco Itaú também mostrou recuo durante o mesmo período.
Há uma visão de consenso, sugerida pela análise de outros indicadores econômicos, que sinalizam a evolução atual da atividade produtiva, como, por exemplo, vendas de papel ondulado e fluxo pedagiado de veículos pesados, de que haverá recuperação das perdas provocadas pela paralização a partir do mês de junho.
Contudo, somente parte dessas perdas será recuperada, pois, a greve não somente provocou prejuízos bilionários no segmento de abates de suínos e aves, como também gerou, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), acúmulo de estoques indesejáveis por parte da indústria, o que desestimula esforços futuros de investimento desse setor. Além disso, a aprovação da Medida Provisória que estabelece preços mínimos para os fretes, contribui para a elevação dos custos de logística de todo o segmento produtivo.
Outro efeito negativo mais duradouro da greve e seus desdobramentos foi a expressiva queda da confiança dos empresários, que se estendeu até o mês de junho. No
caso dos empresários industriais, ainda de acordo com a CNI, apesar de ter havido recuperação da confiança em julho, esta foi muito pouco expressiva, incapaz de compensar os recuos observados durante os dois meses anteriores. Esses resultados sugerem arrefecimento da produção ao longo dos próximos meses, reduzindo ainda mais o ritmo de recuperação da atividade econômica.
Em função de tudo isso, as últimas projeções de analistas de mercado para o crescimento do PIB em 2018, coletadas no Relatório Focus, divulgado pelo Banco Central,
continuam recuando, alcançando, na média, a 1,5%, resultado muito fraco, em vista do baixo aumento da atividade econômica registrado no ano passado.
Análise da Conjuntura
1. Moeda, Crédito e Inflação
Segundo o Banco Central, em maio, o crédito à pessoa física segue em lenta recuperação, com alta, em 12 meses, de 7,8%, acima da inflação, medida pelo Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, registrada para o mesmo período (2,9%). Apesar da taxa básica (SELIC) continuar em seu nível mínimo histórico, o custo médio do crédito concedido à pessoa física segue em patamares elevados (31,4% ao ano), enquanto a inadimplência segue estável (3,6%).
Em junho, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o IPCA acelerou de forma intensa em relação a maio, passando de 0,4% para 1,26%, elevando a inflação registrada em termos anuais (12 meses) de 2,86% para 4,39%, respectivamente. As principais causas dessa aceleração foram a paralisação dos caminhoneiros, que gerou aumentos dos preços da gasolina e dos alimentos, e a passagem da tarifa de energia elétrica para patamar superior (bandeira vermelha 2).
2. Atividade Econômica e Emprego
Segundo o IBGE, em maio de 2018, a atividade industrial registrou a maior queda mensal (-10,9%) desde a crise financeira global. O impacto da greve provocou redução de 6,6% em relação ao mesmo mês de 2017, disseminado por todas as categorias, principalmente no caso dos bens duráveis e não duráveis.
Ao contrário, as vendas do varejo restrito (que não inclui veículos e material de construção) e do ampliado (que considera todos os segmentos), também de acordo com o IBGE, apresentaram altas (2,7% e 2,2%, respectivamente) em relação a maio do ano passado. A maior parte desse resultado se explica pelo forte crescimento das vendas de supermercados, motivadas por comportamento de estocagem por parte das famílias, para prevenir um possível desabastecimento. Na contramão, o temor do atraso nas entregas postergou as compras de móveis, eletrodomésticos, artigos de informática e material de construção.
Por sua vez, as consultas de CPF para concessão de crédito, que também servem como sinalizador do comportamento das vendas, se recuperaram parcialmente em junho, aumentando 2,2%, segundo dados da Boa Vista Serviços/ACSP, após a queda sofrida no mês anterior, em decorrência da paralização dos transportes.
O setor serviços também foi fortemente impactado durante maio, ainda de acordo com o IBGE, registrando recuo de 3,8% na mesma base de comparação anterior, puxado pelo transporte terrestre, segmento que esteve no epicentro da greve.
A confiança do consumidor, medida pelo Índice Nacional de Confiança (INC), calculado pelo IPSOS para a ACSP, registrou aumento de 8,8% em junho, em relação ao
mesmo mês de 2017. Esse aumento se explicaria pelos efeitos positivos da redução da taxa de juros que enfrenta o consumidor, que, apesar disso, ainda se mantém cauteloso.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), divulgada pelo IBGE, a taxa de desemprego, em maio, alcançou a 12,7% da força de
trabalho, diminuindo levemente em relação a abril. A massa de rendimentos, que representa a renda auferida no mercado de trabalho, mostrou leve alta de 2,2%, em base anual (1,3% na ocupação e 0,9% nos salários).
Finalmente, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-BR), que se aproxima à prévia do Produto Interno Bruto (PIB), em maio, apresentou a pior queda desde 2003, refletindo contração da atividade econômica, que, em apenas dez dias superou em intensidade a provocada pela crise financeira global de 2008.
Em síntese, a atividade econômica em maio foi severamente prejudicada pela greve dos caminhoneiros. Espera-se que parte das perdas geradas sejam recuperadas a partir de junho, porém, alguns efeitos adversos tenderiam a se dissipar mais lentamente, reduzindo as perspectivas de crescimento do PIB para o ano.
Da mesma forma, parte da maior inflação deverá arrefecer ao longo dos próximos meses. O IPCA-15 de julho, que mede a inflação “oficial” da primeira quinzena do mês, já mostra desaceleração, em função da menor pressão dos preços de alimentos e combustíveis. Porém, a elevação dos custos do frete, decorrente do tabelamento das tarifas do serviço deverá exercer pressão sobre os preços, principalmente no caso dos alimentos.
3. Finanças Públicas
Em maio, segundo dados do Banco Central, o Governo Consolidado (União, Estados, Municípios e empresas estatais) anotou déficit primário (excesso de despesas não
financeiras sobre receitas) de R$ 8,2 bilhões. O mesmo ocorreu durante o período janeiromaio (R$ 933 milhões) e em 12 meses (R$ 95,9 bilhões).
Apesar de haver passado da geração de saldos positivos (excesso de receitas sobre despesas não financeiras – superávit primário) em abril, em termos mensais e no
acumulado no ano, para cifras negativas, na comparação com maio de 2017, nota-se sensível melhora. Nos últimos 12 meses, também houve melhora em relação à leitura anterior, pois, o “rombo” fiscal primário como proporção do PIB se reduziu de 1,8% para 1,4%, respectivamente.
Esses resultados foram beneficiados por dois “efeitos extraordinários”: o resgate do Fundo Soberano do Brasil, que elevou as receitas do Governo Federal, e o fato do
pagamento de precatórios neste ano ter sido realizado entre março e abril, reduzindo os gastos por esse conceito em relação a maio do ano passado. Ainda assim, a redução total do déficit primário no comparativo com o mesmo mês de 2017 superam esses “efeitos extraordinários”, o que sugere que, além do aumento das receitas, existe algum esforço em termos de contenção fiscal.
Os mesmos dados do Banco Central mostram que, o maior responsável pela geração de déficit primário foi o Governo Central (Tesouro Nacional, INSS e Banco Central). Apesar de, durante maio e nos primeiros cinco meses do ano, a União registrar superávit primário, em boa parte devido ao crescimento da arrecadação vinculada à atividade econômica, este não foi capaz de compensar o saldo negativo gerado pelo sistema previdenciário. Segundo o Tesouro Nacional, no período janeiro-maio, as receitas líquidas totais do Governo Central cresceram 7,9% em termos reais (corrigidos pela inflação – IPCA), enquanto suas despesas totais aumentaram em 3,8%. Se separamos o Governo Federal da Previdência Social, enquanto as receitas líquidas do primeiro aumentaram, durante o mesmo período, acima dos dispêndios, o contrário ocorreu com o Regime Geral de Previdência Social.
Em termos do pagamento dos juros da dívida pública, no acumulado de 12 meses, essas despesas alcançaram a R$ 384,3 bilhões em maio, o que corresponde a 5,8% do PIB, levemente superior ao registrado em abril, devido às perdas realizadas pelo Banco Central com operações de swap cambial.
Somando-se essas despesas anteriores com o resultado primário do Governo Consolidado, obtém-se o resultado final (nominal), que foi negativo (déficit nominal) no
mês, no acumulado do ano e em 12 meses, correspondendo neste último caso a R$ 480,2 bilhões (7,2% do PIB), abaixo do anotado na leitura imediatamente anterior (7,5% do PIB). Apesar da melhora no resultado nominal, como este continua sendo deficitário, obriga o Governo a seguir aumentando seu grau de endividamento, que em maio, alcançou a 77%, nível considerado demasiado elevado para garantir a solvência das contas públicas no médio prazo.
As perspectivas para o resto do ano seguem sugerindo que o Governo Consolidado cumprirá a meta de déficit fiscal primário de R$ 161,3 bilhões, apesar das despesas
adicionais inesperadas, decorrentes da redução do preço do diesel e da alteração da frequência dos seus reajustes, concedidos pelo Governo, em decorrência da paralização dos caminhoneiros.
A estabilização e posterior redução do nível de endividamento público requererá que o setor público seja capaz de gerar resultados fiscais positivos durante os próximos
anos, tarefa impossível sem a realização da reforma da Previdência, cuja evolução desenfreada das despesas ameaça, inclusive, o próprio cumprimento do “teto” de
crescimento dos gastos públicos do Governo Federal.
4. Setor Externo
A balança comercial fechou o mês de junho com um superávit de US$ 5,9 bilhões, como resultado das exportações de US$ 20,2 bilhões menos importações de US$ 14,3 bilhões. As vendas externas, mesmo tendo crescido 2,1%, em relação ao mesmo mês do ano passado, poderiam ter sido maiores, se não fossem prejudicadas pela greve dos caminhoneiros que, mesmo terminada em maio, continuou afetando os embarques nos primeiros dias de junho. Segundo Marcos Jorge, Ministro do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), o efeito da greve reduziu em cerca de 30,0% o volume de exportações, na comparação com as médias de dias anteriores à paralização.
Durante o primeiro semestre, as exportações acumularam US$ 113,8 bilhões, e as importações US$ 83,8 bilhões, com aumentos de 5,7% e 17,2%, respectivamente, em comparação com o mesmo período do ano passado. Assim, o saldo comercial de US$ 30 bilhões, teve recuo de 17,0% em relação ao superávit do primeiro semestre de 2017, tendência que vem se repetindo desde o início deste ano, à medida que a economia e a renda do consumidor voltaram a crescer, mesmo que timidamente. O próprio MDIC projeta um superávit de US$ 50 bilhões para este ano, inferior ao alcançado no ano passado (US$ 64,0 bilhões). No entanto, o Banco Central, mais otimista, mudou sua estimativa para a balança comercial, prevendo um superávit maior, de US$ 61 bilhões em 2018.
Ainda no primeiro semestre, cresceram as exportações de todas as categorias de produtos, com destaque para os manufaturados (US$ 41,1 bilhões), cujas vendas foram 9,1% maiores, na comparação com o mesmo período do ano passado. Os produtos primários (US$ 54,8 bilhões) e os semimanufaturados (US$ 15,1 bilhões) registraram aumentos de 4,6% e 0,5%, respectivamente.
No entanto, vários produtos importantes da pauta de exportação não tiveram o mesmo desempenho, acumulando queda de vendas no primeiro semestre. Entre eles,
destacaram-se minério de ferro (-9,5%); café em grão (-15%); açúcar em bruto (-40,9%); açúcar refinado (-44,9%); alumínio em bruto (-12,9%); carne suína (-32,9%) e carne de frango (-17,4%) – estas últimas devido as barreiras impostas por China, Rússia, União Europeia e Arábia Saudita. Entre os manufaturados, caíram os embarques de calçados (-7,9%); automóveis de passageiros (-6,9%) e veículos de carga (-8,2%), em decorrência da crise econômica da Argentina, principal compradora de veículos brasileiros.
No semestre, a China foi a principal importadora de produtos brasileiros (US$ 31,1 bilhões), vindo a seguir os Estados Unidos (US$ 13,2 bilhões), Argentina (US$ 8,9), Países baixos (US$ 6,3 bilhões) e Chile (US$ 3,0 bilhões). No conjunto, esses países representaram 55,0% da pauta de exportação brasileira.
Os saldos comerciais, mesmo recuando neste ano, continuam cobrindo a maior parte das contas externas do país. As “transações correntes”, conta que considera todas as transações de bens, serviços e rendas do país com o exterior, teve um déficit de US$ 4 bilhões no acumulado de janeiro-maio deste ano, apenas 0,5% do PIB, bastante inferior ao saldo negativo de US$ 18,3 bilhões, registrado em idêntico período do ano passado.
A entrada de investimento direto no país (IDP), no entanto, sofreu forte desaceleração nos últimos meses. Até maio deste ano, ingressaram US$ 23,3 bilhões, contra
US$ 32,2 bilhões, captados nos mesmos meses de 2017, embora o país continue sendo um dos principais receptores desses investimentos no mundo. O Banco Central que esperava ingresso de US$ 80 bilhões de IDP, neste ano, reformulou sua projeção para US$ 70 bilhões.
Essa retração do IDP atinge todos os países receptores de capitais estrangeiros, e não apenas o Brasil. Entre os fatores apontados como causa dessa desaceleração dos
investimentos diretos, destacam-se a guerra comercial entre Estados Unidos e China, ameaçando se estender para a União Europeia, e atingir outros países, e a alta mais rápida dos juros norte-americanos, estimulando o retorno de dólares para aquele país, com a consequente valorização dessa moeda no cenário mundial.
No mercado doméstico, esses fatores, conjugados com o desaquecimento da atividade econômica e a incerteza política, também estimularam a forte saída de capitais
especulativos aplicados em bolsas ou fundos de investimentos, provocando forte turbulência no mercado de câmbio. Somente nos dois últimos meses, a valorização do dólar foi de 10,3% em relação ao Real. No final de junho, a moeda americana foi cotada a R$ 3,86, equivalente a uma apreciação de 3,2% no mês, e de 16,6%, nos últimos doze meses, frente à moeda brasileira.
Durante esse período, o Banco Central, para reduzir a flutuação, e impedir uma valorização mais acentuada da moeda americana, continuou intervindo no mercado de
câmbio através da oferta de contratos de swaps cambiais, equivalente à venda futura de dólares, e, já no final do mês, por meio de leilão de linha, que corresponde à venda de dólares das reservas cambiais, com compromisso de recompra. Essas intervenções ao longo do mês de junho mantiveram a cotação do dólar flutuando entre R$ 3,80 e 3,90 durante a primeira quinzena de julho, podendo converter-se em novo patamar para o valor da moeda norte-americana.
Sintetizando, a redução no ritmo de crescimento da economia, por diminuir as compras externas, acaba favorecendo a balança comercial, cujo superávit deverá ser maior do que o previsto inicialmente pelo Banco Central. Se as importações estão crescendo menos do que o esperado, as exportações continuam avançando razoavelmente, mesmo diante de um cenário externo cada vez mais desfavorável, à medida que o protecionismo recrudesce em vários países. Nesse contexto, mantendo elevados saldos comerciais, o Brasil continuará apresentando baixo risco de uma crise cambial, mesmo não considerando suas robustas reservas internacionais, atualmente na casa de US$ 382 bilhões.
Por IEGV - Instituto de Economia Gastão Vidigal