Enquanto a produção industrial e o varejo continuam mostrando tendência de retomada do crescimento, ainda que mais lenta do que o esperado, os serviços seguem decepcionando, ao registrarem queda de 1,8% em seu volume comercializado no primeiro bimestre do ano, de acordo com os dados da Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), divulgada pelo IBGE.
Esse resultado contribui para arrefecer as expectativas de recuperação da economia brasileira no presente ano, já que este determina quase dois terços do produto interno bruto (PIB) do País, pelo lado da produção. Pela quarta semana consecutiva, os analistas de mercado, consultados pela Pesquisa FOCUS do Banco Central, reviram para baixo a projeção de crescimento do PIB para 2018.
Os resultados da PMS de fevereiro mostram que, na comparação com o mês anterior, livre de efeitos sazonais, os destaques negativos ficaram por conta dos segmentos serviços prestados às famílias e serviços de informação e comunicação. No primeiro caso, a principal perda decorreu dos serviços de alojamento e alimentação, pois, embora o ramo de hotelaria tenha mostrado resultados positivos, estes não foram suficientes para compensar as perdas no volume movimentado por bares, lanchonetes e restaurantes.
Para o segundo segmento, a contração foi puxada pelas telecomunicações, refletindo a difícil situação de grandes empresas de telefonia, que ou estão em recuperação judicial ou estão realizando fusões com empresas de TV a cabo e internet, para garantir sua sobrevivência.
A fraqueza dos serviços decorre principalmente da lenta recuperação do consumo das famílias, pois, apesar da redução da inflação, que tem ajudado a recompor o poder aquisitivo das famílias, e das melhores condições do crédito, o desemprego continua muito elevado e o aumento da informalidade, além de significar menores salários, eleva a insegurança no emprego. Tudo isso faz com que o consumidor permaneça cauteloso na hora de adquirir serviços, privilegiando aqueles considerados prioritários.
Também é importante mencionar que se trata de um setor fortemente vinculado ao resto do setor produtivo, principalmente pelos transportes, e, por isso, também tem sido afetado pela recuperação gradual do comércio e da indústria.
Por sua vez, como esse setor constitui o maior empregador da economia, sua dificuldade de recuperação termina por atrasar a diminuição do desemprego, o que tende a realimentar a falta de demanda por serviços, gerando um “círculo vicioso”, que os economistas costumam chamar de “equilíbrio perverso”.
Para romper com esse “círculo vicioso”, é importante que o Banco Central siga com sua política de redução da taxa de juros, porém, é imprescindível que se realize um profundo ajuste fiscal, para que seja possível seguir com inflação baixa, criando ambiente favorável à manutenção de baixo custo do crédito, beneficiando consumidores e produtores, que são, em última instância, os principais usuários dos serviços.
Análise da Conjuntura
1. Moeda, Crédito e Inflação
Segundo o Banco Central, em março, o crédito à pessoa física continuou mostrando lenta recuperação, com alta, em 12 meses, de 6,5%, pouco acima da inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, registrada para o mesmo período (2,7%). A taxa de juros média anual aplicada à pessoa física, apesar de seguir muito elevada (33%), é menor do que a registrada em março de 2017 (41,4%).
Em março, a taxa de inadimplência da pessoa física, medida pelo Banco Central, alcançou a 3,6% da carteira, ante 3,7% observado em fevereiro, e 4,0% registrado no mesmo mês de 2017. É o menor nível de inadimplência da série histórica, o que seria suficiente para reduzir as taxas de juros cobradas pelos bancos.
No final de março, a autoridade monetária reduziu as reservas obrigatórias (depósitos compulsórios) dos bancos, o que deveria aumentar a oferta de crédito, intensificando a redução dos juros para consumidores e produtores.
Em março, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o IPCA apresentou nova surpresa baixista, com alta de apenas 0,09%. Desse modo, a variação do índice acumulada em 12 meses desacelerou de 2,84% para 2,68%. A prévia do IPCA de abril (IPCA-15) mostrou aceleração, embora menos do que o esperado, alcançando 0,21% na primeira quinzena, e 2,80% em 12 meses.
2. Atividade Econômica e Emprego
De acordo com o IBGE, em fevereiro, a indústria registrou alta de 2,8%, ante o mesmo mês de 2017, frustrando as expectativas. Novamente se destacaram os bens duráveis, cuja produção cresceu 15,6%, principalmente devido ao aumento da fabricação de veículos (16,8%). Também se destacou o segmento de bens de capital (7,8%).O resultado acumulado em 12 meses seguiu subindo, com alta de 3,0%, ante 2,8% registrado na leitura anterior.
Em igual mês, segundo o IBGE, continuou havendo aumento tanto do varejo restrito (que não inclui veículos e material de construção), como do ampliado (que inclui todos os segmentos), em relação a fevereiro de 2017 (1,3% e 5,2%, respectivamente), configurando o décimo primeiro resultado positivo consecutivo. A maior influência veio do ramo de veículos (20%). Em 12 meses, as vendas dos dois tipos de varejo seguem acelerando, com altas de 2,8% e 5,2%, respectivamente, superiores aos resultados anotados na leitura imediatamente anterior (2,5% e 4,6%, respectivamente).
O setor serviços, ainda de acordo com o IBGE, anotou resultados aquém do esperado, apresentou queda de 2,2%, em fevereiro, em relação ao mesmo mês do ano passado, frustrando, mais uma vez, as expectativas dos analistas de mercado. Pesaram negativamente os serviços prestados às famílias (-5,2%), informação e comunicação (-4,9%) e turismo (-5,2%). Em 12 meses, o declínio perdeu intensidade, alcançando a 2,4%, frente à queda anotada na leitura anterior (-2,7%).
Dados da ACSP/BVS referentes às consultas efetuadas no primeiro trimestre de 2018, registraram altas de 6,7% nas compras parceladas e de 2,3% nas realizadas à vista. A confiança do consumidor, medida pelo Índice Nacional de Confiança (INC), calculado pelo IPSOS para a ACSP, registrou aumento de 8,8% em abril, em relação ao mesmo mês de 2017. O consumidor segue cauteloso, mesmo com a queda do número de pessoas conhecidas sem emprego de 5,8% para 5,1%, em um ano.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), divulgada pelo IBGE, a taxa de desemprego, em março, chegou a 13,1% da força de trabalho, ante 13,7% observada no mesmo mês do ano passado. A massa de rendimentos, que representa a renda auferida no mercado de trabalho, desacelerou, crescendo 1,8%, em base anual (1,8% na ocupação e 0% nos salários). Os salários pararam de subir em termos reais, se ajustando a uma inflação baixa e estável.
Por sua parte, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-BR), que se aproxima à prévia do Produto Interno Bruto (PIB), em fevereiro, permaneceu praticamente estável, na comparação mensal livre de efeitos sazonais. Ante o mesmo mês de 2017, desacelerou para 0,7%, enquanto no acumulado de 12 meses a alta alcançou 1,3%, frente a 1,2% registrado em janeiro.
Em síntese, a inflação segue em patamares reduzidos, enquanto a atividade econômica continua se recuperando lenta e irregularmente, principalmente no caso dos serviços, justificando nova redução da taxa básica de juros.
3. Finanças Públicas
Após começar o ano com resultado positivo, as contas públicas voltaram a apresentar saldo negativo em fevereiro. De acordo com dados do Banco Central, o Setor Público Consolidado (União, Estados, Municípios e empresas estatais) anotou despesas não financeiras maiores do que as receitas (déficit primário) de R$ 17,4 bilhões. Em todo caso, esse “rombo” fiscal foi menor do que os registrados no mesmo mês de 2017 e 2016.
No primeiro bimestre do ano continuou havendo saldo positivo (superávit primário), que alcançou a R$ 29,5 bilhões, devido fundamentalmente ao superávit primário recorde de janeiro. Ainda assim, é o melhor resultado para os dois primeiros meses do ano desde 2012. Por sua vez, no acumulado em 12 meses, que reflete melhor a tendência do resultado primário, o déficit primário do Governo Consolidado recuou de R$ 100,4 bilhões (1,5% do PIB), em janeiro, para R$ 94,3 bilhões (1,4% do PIB), em fevereiro.
Seja qual for a forma de medir, nota-se, portanto, uma melhora do resultado fiscal primário, explicado pela maior arrecadação do Governo Federal, decorrente da retomada do crescimento econômico, da elevação da alíquota do PIS/COFINS sobre os combustíveis e dos pagamentos recebidos por conta do novo programa de parcelamento de débitos tributários (REFIS).
Também vale destacar o esforço empreendido em reduzir as despesas da União, no contexto do cumprimento do “teto” do crescimento dos gastos do Governo Federal, embora este tenha se concentrado nos investimentos públicos em infraestrutura, devido ao excessivo “engessamento” do orçamento público, enquanto os dispêndios com a Previdência continuam alcançando patamares recordes. De acordo com o Tesouro Nacional, durante o primeiro bimestre, o Governo Central (Tesouro Nacional, INSS e Banco Central) aumentou sua receita líquida em 11,1%, enquanto suas despesas cresceram em 0,6%, em termos reais (corrigidos pela inflação – IPCA).
Em relação ao pagamento dos juros da dívida pública, houve reduções em relação a janeiro, no bimestre e no acumulado em 12 meses, explicadas principalmente pela contínua redução da taxa de juros básica (SELIC). Neste último caso, esse pagamento correspondeu, em fevereiro, a R$ 390,3 bilhões (5,9% do PIB), frente a R$ 392,7 bilhões (6,0% do PIB), anotado em janeiro.
Somando-se essas despesas anteriores com o resultado primário do Governo Consolidado, obtém-se o resultado nominal, que foi negativo (déficit nominal) no mês, no bimestre e no acumulado de 12 meses (R$ 45,8 bilhões, R$ 27,2 bilhões e R$ 486,6 bilhões, respectivamente). Esses resultados negativos, apesar de menores, continuam obrigando o Governo a aumentar seu endividamento, que alcançou o patamar inédito de 75,1% do PIB em fevereiro, considerado demasiado elevado para garantir a solvência de longo prazo das contas públicas.
Os dados de fevereiro mostram melhora no resultado fiscal, derivada da maior arrecadação e da contenção das despesas públicas. Contudo, a recuperação econômica mais lenta do que o esperado e a diminuição do impacto inicial de receitas não recorrentes como as derivadas do REFIS deverá desacelerar o crescimento das receitas. Ainda assim, os analistas de mercado ainda acreditam que o Governo cumpra a meta fiscal para 2018, que corresponde a um déficit primário de R$ 161,3 bilhões para o Governo Consolidado.
4. Setor Externo
A balança comercial registrou um superávit de US$ 6,3 bilhões em março, queda de 12%, em relação ao mesmo mês do ano passado, principalmente pelo aumento das importações no período. Enquanto que as compras do exterior, no valor de US$ 13,8 bilhões, subiram 16,9%, as exportações, no valor de US$ 20,1 bilhões, avançaram menos, com alta de 9,6% sobre março de 2017.
Para este ano, o encolhimento dos superávits comerciais já estava previsto tanto pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) como pelos analistas econômicos, devido à retomada da atividade econômica, que acelera as importações de bens de consumo, maquinas equipamentos e produtos intermediários, destinados ao setor produtivo. Para 2018, o MDIC estima um saldo comercial de US$ 50 bilhões, ante US$ 67 bilhões de 2017.
No acumulado do primeiro trimestre, o superávit foi de US$ 14 bilhões, ainda robusto, mas um pouco inferior aos US$ 14,4 bilhões registrados no mesmo período do ano passado, apesar do forte incremento do valor das exportações, que apresenta uma série de cinco trimestres consecutivos de crescimento. As vendas externas, de janeiro a março foram de US$ 54,4 bilhões, 11,3% superior ao valor registrado nos mesmos meses de 2017, o maior para o período na série histórica, que se iniciou em 1989.
Nas exportações, todas as categorias de produtos tiveram crescimento em relação a igual período de 2017: manufaturados (23,1%), semimanufaturados (6,5%) e básicos (3,7%). Destacaram-se os embarques de petróleo, soja, minério de ferro, celulose, carne de frango, farelo de soja, carne bovina, café em grão, açúcar em bruto e, entre os manufaturados, automóveis de passageiros.
Nas importações, as compras externas foram de US$ 40,4 bilhões no primeiro trimestre do ano, 15,8% superior a idêntico período de 2017. Cresceram as importações de combustíveis e lubrificantes (44,9%), bens de consumo (16,8%), bens intermediários (9,8%) e bens de capital (18,2%), neste último caso, refletindo o aumento dos investimentos produtivos no país, fato que vem ocorrendo desde o segundo semestre do ano passado.
Por conta do forte crescimento das importações, a previsão é de que os déficits das contas externas voltem a subir. Essas contas, representadas no balanço de pagamentos como “transações correntes”, que engloba todo o comércio de bens e serviços com os demais países, registrou um déficit de US$ 7,8 bilhões, nos últimos doze meses terminados em fevereiro. No entanto, esse saldo negativo, cujo crescimento reflete a recuperação da atividade econômica, é coberto com grande folga pela entrada de investimentos diretos (US$ 64,8 bilhões no mesmo período).
Quanto ao mercado de câmbio, após relativa estabilidade da taxa cambial desde janeiro de 2017, o valor do dólar durante o transcorrer de março sofreu forte valorização, fechando o mês de abril valendo R$ 3,46, o que representou uma apreciação da moeda americana de 2,4% nesse período, e de 5%, nos últimos doze meses, em relação ao Real.
A causa dessa valorização pode ser atribuída às tensões geopolíticas externas, com a expectativa de uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, com reflexos sobre o comércio exterior brasileiro, e por causas internas. Neste caso, a não realização de reformas estruturais, como a da previdência, e as incertezas com o processo eleitoral são também fatores responsáveis pela volatilidade cambial.
Para tranquilizar, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, recentemente informou que o país tem um volume de reservas cambiais suficiente para evitar momentos de turbulência no mercado, podendo aumentar a oferta de swaps cambiais. Essa operação equivale à venda de dólares no mercado futuro, para reduzir a flutuação da taxa de câmbio e, se for o caso, diminuir o preço da moeda americana, evitando pressões inflacionárias.
Sintetizando, a recuperação da economia brasileira, mesmo avançando lentamente, teve como consequência um aumento significativo das importações no primeiro trimestre, que tendem a continuar se expandindo durante todo o ano. O resultado será a diminuição do saldo comercial, com reflexos negativos sobre as contas externas, levando o Banco Central a aumentar a previsão para o déficit da conta “transações correntes” para este ano, de US$ 18,4 bilhões para US$ 23,3 bilhões.
No entanto, além de ser coberto com folga pela entrada de capitais estrangeiros, o aumento desse saldo negativo indica a volta do crescimento econômico, e maior absorção de poupança externa para fortalecer os investimentos no país.
Por IEGV - Instituto de Economia Gastão Vidigal